Artigo de Opinião de Arsénio
Santos, Internista e Coordenador do NEDF
Dia Mundial das Hepatites
assinala-se a 28 de julho
É preciso fazer mais e
melhor se quisermos erradicar a hepatite C até 2030
Celebra-se,
a 28 de julho, o Dia Mundial das Hepatites, data em que pessoas e organizações
de todo o mundo unem esforços para sensibilizar a população e os decisores para
a importância destas doenças. É a oportunidade para exigir a adoção de
estratégias para o diagnóstico do maior número de casos e o acesso ao
tratamento para todos, incluindo os mais vulneráveis e marginalizados.
Existem
cinco tipos de hepatite viral (A, B, C, D e E) mas as hepatites B e C são as
mais importantes, pois evoluem para a cronicidade, constituindo um grave
problema de saúde pública. Tratam-se de infeções provocadas por vírus que são
transmitidos através da exposição ao sangue ou fluidos corporais de uma pessoa
infetada.
Estes
vírus afetam o fígado, podendo provocar inflamação, cirrose e, nalguns casos,
cancro hepático. À escala mundial, as hepatites virais causam todos os anos a
perda de 1,4 milhões de vidas, mas apesar do seu impacto, calcula-se que nove
em cada dez pessoas com a doença desconheçam estar infetadas.
Estima-se
que na União Europeia a prevalência seja de 0,9 por cento para a infeção pelo
vírus da hepatite B e de 1,1 por cento para o vírus da hepatite C, o que corresponde
à existência de 4,7 milhões e de 5,6 milhões de infetados, respetivamente. Em
Portugal, o número real de casos não é conhecido, mas o número de infetados por
cada um destes vírus poderá aproximar-se dos 100 mil. Alguns milhares de casos
foram já identificados e sujeitos a tratamento, mas sabemos que existem ainda
muitos casos não diagnosticados, tanto de hepatite B como de hepatite C.
O
número de novos casos de hepatite B tem vindo a diminuir ao longo dos anos,
fruto da vacinação universal de todos os recém-nascidos, implementada no nosso
país há cerca de 20 anos, sendo certo que alguns anos antes fora iniciada a
vacinação dos adolescentes na faixa etária dos 11 aos 13 anos. Já para a
hepatite C não existe vacina disponível, pelo que a estratégia para a
diminuição do número de novos casos se baseia na prevenção, evitando
comportamentos de risco para contrair a infeção, e na identificação e
tratamento dos casos de doença.
O
diagnóstico precoce traz grandes benefícios para as pessoas infetadas, pois permite
o tratamento antes que se instalem as lesões hepáticas, e para a saúde de toda
a comunidade, já que ao eliminar o foco de infeção evita-se igualmente a sua
propagação.
As
hepatites crónicas são frequentemente assintomáticas. Quando existem sintomas,
os mesmos são vagos e inespecíficos (fadiga, dores de cabeça, náuseas) ou
surgem em fases avançadas da doença (icterícia, dor no quadrante direito do
abdómen, distensão abdominal ou equimoses cutâneas espontâneas). Perante esta
realidade, não é rentável que o diagnóstico seja realizado apenas quando há
sintomas.
Assim,
os testes de diagnóstico estão recomendados em qualquer pessoa com doença
hepática e naqueles com algum risco de exposição a estes vírus, no passado ou
no presente, inclusive em todos os casos em que se suspeite de alguma
probabilidade, mesmo que mínima, de ter contraído a infeção.
Em
Portugal, os testes de rastreio das hepatites são acessíveis através de todos
os serviços de saúde, nomeadamente nos centros de saúde e nos hospitais, mas
foram já legisladas medidas que facilitam o acesso aos testes, permitindo, às
pessoas que os desejem realizar, recorrer diretamente às farmácias comunitárias
e aos laboratórios de análises clínicas, onde poderão fazer testes de deteção
rápida, sem necessidade de prévia prescrição médica. No entanto, a
implementação destas medidas está a decorrer em ritmo muito lento, longe do que
seria desejável.
O
rastreio universal de toda a população seria a melhor forma de conseguir
identificar a maioria dos casos de infeção, pois é a única que permite
diagnosticar os casos em que não são reconhecidos fatores de risco ou os mesmos
não são assumidos ou valorizados pelo próprio. No entanto, esta medida teria
custos elevados para o Serviço Nacional de Saúde e um rendimento relativamente
baixo, atendendo à baixa prevalência da infeção na população. A alternativa é o
rastreio dirigido às pessoas e grupos que sabemos terem maior risco de estar
infetados.
É
um grande desafio conseguir identificar os portadores destes vírus em grupos
populacionais em que a infeção tem elevada prevalência, mas que são de
abordagem difícil, pois geralmente não procuram por sua iniciativa os serviços
de saúde, como é o caso dos utilizadores ativos de drogas injetáveis. É também
indispensável dar especial atenção a outros grupos vulneráveis: reclusos,
trabalhadores do sexo, sem-abrigo e imigrantes. Estão em curso em todo o país
iniciativas dirigidas a essas populações, indo ao encontro das pessoas em risco
e oferecendo-lhes a possibilidade de rastreio e de tratamento.
Do
ponto de vista de cada indivíduo infetado, é fortemente compensador o
diagnóstico precoce da doença, pois todas as formas de hepatite são,
atualmente, tratáveis. A hepatite C cura com tratamentos que duram, na maioria
das vezes, 8 a 12 semanas. A hepatite B exige muitas vezes medicação crónica,
mas que controla perfeitamente a infeção, impedindo a progressão da doença
hepática.
O
Dia Mundial das Hepatites é uma excelente oportunidade para divulgar o
conhecimento sobre estas doenças, motivar os profissionais de saúde para
aperfeiçoarem a sua prática no rastreio, diagnóstico e tratamento das mesmas, e
sensibilizar as autoridades de saúde e os decisores políticos para a
necessidade de alocarem os recursos indispensáveis.
No
nosso país, já muito foi conseguido, mas o rastreio está ainda a ser feito de
forma muito pontual, heterogénea e descoordenada, e existem alguns
constrangimentos no acesso ao tratamento que, estando disponível para todos os
que dele necessitarem, obriga frequentemente a tempos de espera exagerados. É
preciso fazer mais e melhor, se quisermos cumprir a meta proposta pela
Organização Mundial da Saúde de erradicar a hepatite C até 2030.
O
reforço do rastreio nas situações já anteriormente referidas, realizando-o de
forma mais sistemática e organizada para atingir o maior número possível de
indivíduos no mais curto espaço de tempo, e o tratamento em tempo útil de todos
os casos identificados, é indispensável à obtenção do objetivo da erradicação.
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