Artigo de Opinião de Pedro Marques
da Silva, Internista e Coordenador do NEPRV
Do enfarte agudo do
miocárdio ao assumir da doença
“Doutor, de repente, senti uma
dor no peito, uma dor aguda, persistente… Durou muito tempo, um bom período da
noite. A certa altura a pressão no peito era tão grande que julguei que ia
morrer. Tentei não dar importância, até porque já tinha, de vez em quando, um
ardor no peito, um formigueiro. Tentei andar, mas faltava-me força nas pernas,
tive vontade de vomitar e deu-me uns suores muito frios e comecei a suar. Não é
que eu seja medroso, mas fiquei muito preocupado. O coração mete-nos sempre
medo. A minha mulher chamou logo o 112. Foi um enfarte do miocárdio. Agora o
que mais me preocupa é que volte a acontecer, que torne a dar-me qualquer coisa.”
As
declarações anteriores representam a normal abordagem que um doente tem após
sofrer um enfarte agudo do miocárdio. Infelizmente, este não é um caso único. A
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico sublinha que as
doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de morte nos estados
membros da União Europeia, com cerca de 36 por cento das mortes em 2010. Apesar
de, em 2016, ter havido um decréscimo de 8,1 por cento nos internamentos por
doenças do aparelho circulatório, com relevo especial para a diminuição das
hospitalizações por enfarte agudo do miocárdio, as DCV foram nesse mesmo ano
responsáveis por 29,6 por cento dos óbitos (7.368 mortes), sem haver qualquer
alteração no número de mortes por Doença Isquémica Cardíaca, e com um agravar, merecedor
de reflexão, da mortalidade prematura abaixo dos 70 anos.
Não
surpreende que o nosso doente se sinta assustado e confuso após o enfarte do
miocárdio. Mas agora vai querer continuar a viver com esperança e alegria. Vai,
naturalmente, receber muitas informações e instruções do seu médico. Vai
começar a tomar novos medicamentos que pretendem protegê-lo a ele e ao seu coração.
Nasce um “novo” tempo de reflexão, de ponderação, em que se tenta entender tudo
o que aconteceu e em que se começa a compreender que também tem uma
responsabilidade partilhada, talvez a maior, com o seu médico, com a sua equipa
de saúde, na sua recuperação, na diminuição do risco de novos problemas e no
prolongar da sua esperança e qualidade de vida.
Depois
de um primeiro evento cardíaco, felizmente, a maioria das pessoas podem esperar
uma vida longa e produtiva. Mas cerca de 20 por cento dos doentes, depois dos
45 anos, pode ter um outro episódio cardíaco, especialmente nos primeiros cinco
anos após o evento inicial. Por
isso,
é importante ressalvar algumas recomendações para evitar um novo enfarte, assim
como é fundamental apreender que se tem de fazer da prevenção (cardiovascular)
uma prioridade:
·
Tome os seus medicamentos tal como lhe foi indicado.
Cumpra a sua medicação, nas doses e número de tomas que lhe foram prescritas.
Os medicamentos vão diminuir o risco de ocorrência de outro evento cardíaco e
cardiovascular. Por isso é importante entender que deve manter a sua medicação
e tomá-la corretamente.
·
Mantenha e respeite o acompanhamento regular e indicado
pelo seu médico. Faz parte da tal responsabilidade compartilhada. Afinal, é a
única maneira do seu médico, e da sua equipa de saúde, acompanharem a sua
condição e recuperação clínica. Aproveite ao máximo o tempo de consulta do
médico, transmita-lhe as dúvidas, as incertezas e, porque não, também alguns
dos seus receios e dos seus sucessos.
·
Participe, sempre que possível, em programas de
reabilitação cardíaca. Este é um plano, supervisionado por um médico, que o
ajudará a recuperar do enfarte do miocárdio, a melhorar a sua saúde e bem-estar,
e a mudar os seus hábitos de vida, através de treino físico, educação e
aconselhamento, reduzindo o stress, ao mesmo tempo que pretende diminuir a
possibilidade de ocorrência futura de novos aborrecimentos e preocupações. Em
princípio deve ter recebido, na altura da alta, indicações para ser encaminhado
para a reabilitação cardíaca, mas se por acaso isto não ocorreu, diga ao seu
médico que gostava de saber mais sobre reabilitação cardíaca.
·
Mantenha um bom suporte psicossocial. Já dissemos que é
normal sentir-se aturdido, preocupado e confuso depois de um enfarte cardíaco.
Partilhe essas apreensões com a sua família, com os seus amigos, mas, não se
esqueça, também com o seu médico. Às vezes pode ser útil ter um apoio mais
diferenciado, com um psicólogo clínico, por exemplo, ou fazer alguma medicação
particular, como no controlo da ansiedade desproporcionada.
·
E não se esqueça de saber quais são os fatores de risco
que favoreceram o desenvolvimento e a ocorrência do seu enfarte. Não se esqueça
que 55 por cento dos portugueses entre os 18 e os 79 anos tem dois ou mais
fatores de risco. Não queira pertencer ao grupo. É preciso reconhecer, tratar e
controlar os fatores de risco (a pressão arterial elevada, o colesterol
aumentado, a presença da diabetes). Pare de fumar, escolha uma alimentação
equilibrada e saudável, mantenha uma vida ativa e, se for caso disso, controle
e mantenha o seu peso. Fale com a equipa de saúde sobre os seus fatores de
risco e aprenda o que deve fazer para os tratar e controlar. São anos que ganha
de vida feliz e saudável, pois você merece.
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